Alunos do segundo ano-ARCADISMO



A Missão (Roland Joffé, 1986)

“Os acontecimentos desta história são verdadeiros e ocorreram nas fronteiras da Argentina, Paraguai e Brasil no ano de 1750″ é a frase que abre A Missão. E é num tom realista que o filme aborda um fato relacionado com nossa história. O pano de fundo aqui é a colonização da América do Sul pelos espanhóis e portugueses no século 18, mostrando as missões jesuítas da Igreja Católica ocorridas nesse período. Temos um pedaço da nossa história retratada. E muito bem retratada.
Numa das cenas iniciais, vemos um grupo de índios jogando num rio um corpo de um padre amarrado numa cruz. Isso já simboliza o tema principal: A civilização dos índios da América do Sul através do cristianismo. Se por um lado, isso foi um meio de um grupo (os missionários jesuítas da Igreja Católica, especificamente falando) tentar defender esse povo da colonização, por outro pode se julgar o mal que isso poderia ter sido na cultura dos índios, que praticamente foram obrigados a abandonar seus ritos e tradições em troca de uma “civilidade”, que era o que o cristianismo significava na época. Civilidade esta, que era imposta pelos colonizadores tanto espanhóis como portugueses, justamente quem devastava as terras indígenas e escravizavam os índios. A Missão relata através da história da Missão de São Carlos comandada pelo Padre Gabriel (Jeremy Irons) todos os meandros da colonização desenfreada da América do Sul. Podemos ver no filme a discriminação que os índios sofriam dos colonizadores que os tratavam como meros “animais selvagens”; a escravidão que foi imposta a uma enorme quantidade deles; a luta pelo controle de terras indígenas colonizadas; a Igreja que praticamente os abandonou quando viu que estava perdendo o controle (leia-se poder) na região, e simplesmente deixou acontecer os massacres; e, claro, os jesuítas que acabaram se voltando contra os colonizadores e contra a própria Igreja, na busca pela proteção dos índios e de suas terras.
Depois dessa cena com o padre sendo jogado no rio, somos apresentados ao personagem de Jeremy Irons, padre Gabriel. Um missionário jesuíta que vai tentar um contato com uma tribo de índios guaranis. Começamos vendo a dificuldade que ele tem para chegar ao local onde está a tribo, quando tem que atravessar um rio, escalar uma cachoeira e depois adentrar a floresta. E é quando Gabriel encontra os índios que temos uma cena onde já se destaca um dos elementos chaves do filme: A Música. Tendo a dificuldade de comunicação com eles, pela falta de conhecimento de seu dialeto, Gabriel apela para uma flauta. Ele toca uma música que desperta a curiosidade dos índios, que mesmo após a ira de um deles (um índio mais velho da tribo quebra a tal flauta) acabam por aceitar a presença dele. O problema de comunicação que poderia haver, não existe mais; e esse é o primeiro elo que se forma entre o padre e os índios. A importância que a trilha sonora tem nessa cena é a mesma que tem no filme como um todo. Sendo de assinatura do mestre Ennio Morricone, temos nessa pequena cena como essa trilha é importante para se contar essa história, ou melhor, para se fortalecer as estruturas dessa história. O Padre usa a música para se mostrar aos índios como um “igual” e assim eles passam a confiar em alguém de fora por causa dessa música. E em outras cenas, o inverso é feito. Gabriel muitas vezes para tentar mostrar ao “povo civilizado” (tanto os colonizadores, como o representante da Igreja) que os índios não são “animais” como eram taxados, ele novamente usa a música. Numa dessas cenas, ele coloca em frente de uma platéia um pequeno índio cantando, e logo se vê como algumas pessoas ficam maravilhadas ao ouvir um índio cantando de tal forma. São cenas como essa que o filme mostra a música como sendo uma linguagem universal que ultrapassa barreiras culturais, de linguagens, de idiomas e dialetos. A trilha sonora é um dos alicerces d’A Missão.
Outro alicerce é o personagem Capitão Rodrigo Mendonza, perfeitamente interpretado pelo ator Robert DeNiro. Já com um rol de personagens marcantes, tanto antes desse filme como depois dele, De Niro tem mais um personagem forte em mãos que, como de costume, ele realiza muito bem. No início, Rodrigo é um mercenário, um mercador de índios. Ele os captura na floresta e os vende como escravos para colonizadores. Aqui o vimos como um homem que faz seu trabalho com muita frieza, sem demonstrar muita emoção. Ele simplesmente cumpre a função, sem se preocupar com as conseqüências ou com a uma suposta moralidade no que faz, mas que, ao mesmo tempo, se mostra muito apegado a sua família, no caso, sua mulher Carlotta (Cherie Lungh – a única personagem feminina com fala do filme) e seu irmão mais novo Felipe (Aidan Quinn). A situação dele começa a se desenvolver quando sua mulher assume que se apaixonou pelo seu irmão. Rodrigo não busca vingança ou algo que o valha. Ele simplesmente tenta a todo custo não se deixar cair qualquer sentimento negativo, pelo amor que sente do irmão. Ou seja, aquele homem que se mostrava frio – pelo menos perante os índios que capturava – aqui mostra sua humanidade. E mesmo depois de ver a mulher e seu irmão juntos na cama, Rodrigo, não os confronta, tenta ir embora, mas acaba tendo um duelo de vida e morte, o que resulta na morte de Felipe. Isso tudo está bem trabalhado na trama, e não soa como “novela mexicana”. Com a condução correta do diretor Roland Joffé e a interpretação de De Niro tudo fica num patamar bem superior.

Após a morte do irmão, Rodrigo passa a se martirizar. Não consegue viver com a dor, e aí que o Padre Gabriel o encontra novamente. Ele o convence a ir para a Missão de São Carlos ajudar os índios, e fazer algo por alguém, principalmente para aquele povo, em que ele, Rodrigo, sempre condenou no passado. Temos então a cena da redenção dele, que é ótima e com uma bela conclusão. Para chegar à tribo de guaranis, ele leva consigo um peso amarrado ao corpo. Esse peso representando o peso do passado, da culpa que ele carrega pela vida que levava e também pela morte do irmão. Mesmo com toda dificuldade de chegar à tribo, com rio, cachoeira e uma floresta densa pelo caminho, ele continua a carregar o tal peso, mesmo com reprovação por parte dos outros Padres jesuítas que o acompanham. Um deles (interpretado pelo ator Liam Neeson – aqui no início de sua carreira) até tenta o livrar desse peso, mas Rodrigo se nega a deixá-lo para trás. E ao chegar ao topo da cachoeira, acontece a conclusão do seu martírio quando ele se depara com os índios. Vemos juntos os desempenhos de Robert DeNiro com a trilha de Morricone. O jeito que Rodrigo chora e ri ao mesmo tempo quando se livra do peso pelas mãos dos índios é comovente, e com a música de Ennio ao fundo, forma o melhor momento do filme.
Depois dessa redenção de Rodrigo, e com ele se tornando um dos padres jesuítas da Missão de São Carlos, o que se segue no filme é a disputa que tomou conta da região. Colonizadores portugueses e espanhóis, tentando acabar com as missões Jesuítas. Afinal, as missões davam voz e terra aos índios, coisa que a colonização desenfreada que ocorria por aqui não poderia permitir. A Igreja Católica comparece no meio dessa disputa, através de um representante vindo da Europa. Uma autoridade da Igreja que vem incumbido de dar uma solução para o conflito. O personagem mostra certa dualidade. Ele vê a importância das Missões para o povo indígena, mas ao mesmo tempo vê que devido aos vários interesses em jogo não conseguiria evitar o conflito, e acaba por “lavar as mãos”. Assim o massacre dos índios começa. Antes das cenas de batalhas, temos um belo diálogo entre Rodrigo e Gabriel. Rodrigo quer deixar de ser padre para poder enfrentar a luta armada junto com os índios, e Gabriel se recusa a entrar em guerra ou dar permissão para que Rodrigo faça isso. Daí surge uma quebra entre os jesuítas, já que enquanto Gabriel vai simplesmente realizar mais uma missa tendo como platéia mulheres, crianças e idosos da tribo, Rodrigo e todos os outros jesuítas formam com os homens da aldeia um exercito para tentar enfrentar os soldados colonizadores. As cenas de batalha ilustram bem a covardia em que ocorriam nesses confrontos. Os índios contando com poucos recursos, enquanto os soldados colonizadores tinham toda uma estrutura e, principalmente, as armas de fogo. Comparado com filmes atuais, essa batalha não é tão violenta, mas ainda sim se mostra bem cruel.

A Missão se posiciona como um “filme denúncia”, assumindo certas posições extremas, como tratar os jesuítas sendo os heróis – não vemos ninguém ruim no lado deles – e os colonizadores sendo os vilões – não vimos ninguém bom no lado deles. E até a Igreja Católica, que não tomou uma decisão feliz ao “lavar as mãos” em relação ao conflito, também é poupada. Mas como o foco seria a situação dos índios, principalmente, o massacre que ocorreu com eles, o filme optou por não se por com um olhar isento, mas para se colocar assim, teve aqui uma engenhosa manobra narrativa, quando vemos que tudo é contado por um dos personagens. Tudo ali está sendo visto com um olhar bem específico de alguém que participou de tudo e que reprova tudo que aconteceu ali. Tanto que a primeira e a última imagem do filme é justamente o olhar de reprovação desse personagem para com a história. Só que se por um lado a situação dos índios era o foco, por outro lado, os mesmos índios não demonstraram muita empatia na tela. O diretor Rolland Joffé resolveu não usar atores profissionais para interpretá-los. Como era o realismo que ele buscava, então aqui foi usado uma tribo de verdade – os Waunana, do sudoeste da Colômbia – para interpretarem os índios guaranis. Assim não temos um personagem dentre eles que chame maior atenção. Tem uma tentativa com um pequeno índio que segue o Robert De Niro, e um outro que comanda a tribo, mas pouco se consegue nesse sentido. No geral, se tem a impressão que os índios são “parte do cenário”. Isso acabou se voltando a favor do filme, já que como disse, o foco era a situação dos índios e situação deles era essa na época: Eles não tinham importância, e sim essa disputa que acontecia em nome deles e das suas terras.
Para finalizar: O filme, na época de lançamento chamou atenção, ganhando até a Palma de Ouro de Cannes. Atualmente, é pouco lembrado. Talvez pelo fato do diretor Rolland Joffé não ter feito nada relevante depois dele, mas precisamos prestar atenção em A Missão, principalmente nós, já que conta uma história envolvendo a colonização do nosso continente. Embora como “cinema” cometa deslizes, – como, já citado, não olhar para essa história com um olhar mais isento – mas como “aula de história”, cumpre muito bem a função. Belas imagens, direção de arte caprichada, trilha sonora inesquecível, ótimas interpretações, uma boa narrativa. Se toda aula de história fosse assim, com uma trilha de Ennio Morricone no fundo e interpretação de Robert De Niro, evasão escolar seria algo que não existiria mais.

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