Mário Quintana
Mario de Miranda Quintana nasceu prematuramente na noite de 30 de julho de 1906, na cidade de Alegrete, situada na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Seus pais, o farmacêutico Celso de Oliveira Quintana e Virgínia de Miranda Quintana, ensinaram ao poeta aquilo que seria uma de suas maiores formas de expressão - a escrita. Coincidentemente, isso ocorreu pelas páginas do jornal Correio do Povo, onde, no futuro, trabalharia por muitos anos de sua vida. O poeta também inicia na infância o aprendizado da língua francesa, idioma muito usado em sua casa. Em 1915 ainda estuda em Alegrete e conclui o curso primário, na escola do português Antônio Cabral Beirão. Aos 13 anos, em 1919, vai estudar em regime de internato no Colégio Militar de Porto Alegre. É quando começa a traçar suas primeiras linhas e publica seus primeiros trabalhos na revista Hyloea, da Sociedade Cívica e Literária dos Alunos do Colégio Militar. Cinco anos depois sai da escola e vai trabalhar como caixeiro (atendente) na Livraria do Globo, contrariando seu pai, que queria o filho doutor. Mas Mario permanece por lá nos três meses seguintes. Aos 17 anos publica um soneto em jornal de Alegrete, com o pseudônimo JB. O poema era tão bom que seu Celso queria contar que era pai do poeta. Mas quem era JB? Mario, então, não perde a chance de lembrar ao pai que ele não gostava de poesia e se diverte com isso. Em 1925 retorna a Alegrete e passa a trabalhar na farmácia de propriedade de seu pai. Nos dois anos seguintes a tristeza marca a vida do jovem Mario: a perda dos pais. Primeiro sua mãe, em 1926, e no ano seguinte, seu pai. Mas a alegria também não estava ausente e se mostra na premiação do concurso de contos do jornal Diário de Notícias de Porto Alegre com A Sétima Passagem e na publicação de um de seus poemas na revista carioca Para Todos, de Alvaro Moreyra. Corre o ano de 1929 e Mario já está com 23 anos quando vai para a redação do jornal O Estado do Rio Grande traduzir telegramas e redigir uma seção chamada O Jornal dos Jornais. O veículo era comandado por Raul Pilla, mais tarde considerado por Quintana como seu melhor patrão. A Revista do Globo e o Correio do Povo publicam seus versos em 1930, ano em que eclode o movimento liderado por Getúlio Vargas e O Estado do Rio Grande é fechado. Quintana parte para o Rio de Janeiro e torna-se voluntário do 7º Batalhão de Caçadores de Porto Alegre. Seis meses depois retorna à capital gaúcha e reinicia seu trabalho na redação de O Estado do Rio Grande. Em 1934 a Editora Globo lança a primeira tradução de Mario. Trata-se de uma obra de Giovanni Papini, intitulada Palavras e Sangue. A partir daí, segue-se uma série de obras francesas traduzidas para a Editora Globo. O poeta é responsável pelas primeiras traduções no Brasil de obras de autores do quilate de Voltaire, Virginia Woolf, Charles Morgan, Marcel Proust, entre outros. Dois anos depois ele decide deixar a Editora Globo e transferir-se para a Livraria do Globo, onde vai trabalhar com Erico Verissimo, que lembra de Quintana justamente pela fluência na língua francesa. É por esta época que seus textos publicados na revista Ibirapuitan chegam ao conhecimento de Monteiro Lobato, que pede ao poeta gaúcho uma nova obra. Quintana escreve, então, Espelho Mágico, que só é publicado em 1951, com prefácio de Lobato. Na década de 40, Quintana é alvo de elogios dos maiores intelectuais da época e recebe uma indicação para a Academia Brasileira de Letras, que nunca se concretizou. Sobre isso ele compõe, com seu afamado bom humor, o conhecido Poeminha do Contra. Como colaborador permanente do Correio do Povo, Mario Quintana publica semanalmente Do Caderno H, que, conforme ele mesmo, se chamava assim, porque era feito na última hora, na hora “H”. A publicação dura, com breves interrupções, até 1984. É desta época também o lançamento de A Rua dos Cataventos, que passa a ser utilizado como livro escolar. Em agosto de 1966 o poeta é homenageado na Academia Brasileira de Letras pelos ilustres Manuel Bandeira e Augusto Meyer. Neste mesmo ano sua obra Antologia Poética recebe o Prêmio Fernando Chinaglia de melhor livro do ano. No ano seguinte, vem o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre. Esta homenagem, concedida em 1967, e uma placa de bronze eternizada na praça principal de sua terra natal, Alegrete, no ano seguinte, sempre eram citadas por Mario como motivo de orgulho. Nove anos depois, recebe a maior condecoração que o Governo do Rio Grande do Sul concede a pessoas que se destacam: a medalha Negrinho do Pastoreio. A década de 80 traz diversas honrarias ao poeta. Primeiro veio o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. Mais tarde, em 1981, a reverência veio pela Câmara de Indústria, Comércio, Agropecuária e Serviços de Passo Fundo, durante a Jornada de Literatura Sul-rio-grandense, de Passo Fundo. Em 1982, outra importante homenagem distingue o poeta. É o título de Doutor Honoris Causa, concedido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Oito anos depois, outras duas universidades, a Unicamp, de Campinas (SP), e a Universidade Federal do Rio de Janeiro concedem o mesmo tipo de honraria a Mario Quintana. Mas talvez a mais importante tenha vindo em 1983, quando o Hotel Majestic, onde o poeta morou de 1968 a 1980, passa a chamar-se Casa de Cultura Mario Quintana. A proposta do então deputado Ruy Carlos Ostermann obteve a aprovação unânime da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Ao comemorar os 80 anos de Mario Quintana, em 1986, a Editora Globo lança a coletânea 80 Anos de Poesia. Três anos depois, ele é eleito o Príncipe dos Poetas Brasileiros, pela Academia Nilopolitana de Letras, Centro de Memórias e Dados de Nilópolis e pelo jornal carioca A Voz. Em 1992, A Rua dos Cataventos tem uma edição comemorativa aos 50 anos de sua primeira publicação, patrocinada pela Ufrgs. E, mesmo com toda a proverbial timidez, as homenagens ao poeta não cessam até e depois de sua morte, aos 88 anos, em 5 de maio de 1994. Bibliografia: - A Rua dos Cata-ventos (1940) - Canções (1946) - Sapato Florido (1948) - O Batalhão de Letras (1948) - O Aprendiz de Feiticeiro (1950) - Espelho Mágico (1951) - Inéditos e Esparsos (1953) - Poesias (1962) - Antologia Poética (1966) - Pé de Pilão (1968) - literatura infanto-juvenil - Caderno H (1973) - Apontamentos de História Sobrenatural (1976) - Quintanares (1976) - edição especial para a MPM Propaganda. - A Vaca e o Hipogrifo (1977) - Prosa e Verso (1978) - Na Volta da Esquina (1979) - Esconderijos do Tempo (1980) - Nova Antologia Poética (1981) - Mario Quintana (1982) - Lili Inventa o Mundo (1983) - Os melhores poemas de Mario Quintana (1983) - Nariz de Vidro (1984) - O Sapato Amarelo (1984) - literatura infanto-juvenil - Primavera cruza o rio (1985) - Oitenta anos de poesia (1986) - Baú de espantos ((1986) - Da Preguiça como Método de Trabalho (1987) - Preparativos de Viagem (1987) - Porta Giratória (1988) - A Cor do Invisível (1989) - Antologia poética de Mario Quintana (1989) - Velório sem Defunto (1990) - A Rua dos Cata-ventos (1992) - reedição para os 50 anos da 1a. publicação. - Sapato Furado (1994) - Mario Quintana - Poesia completa (2005) - Quintana de bolso (2006) No exterior: - Em espanhol: - Objetos Perdidos y Otros Poemas (1979) - Buenos Aires - Argentina. - Mario Quintana. Poemas (1984) - Lima, Peru. Poemas de Amor por Mário Quintana “Por favor, não me analise Não fique procurando cada ponto fraco meu. Se ninguém resiste a uma análise profunda, Quanto mais eu… Ciumento, exigente, inseguro, carente Todo cheio de marcas que a vida deixou Vejo em cada grito de exigência Um pedido de carência, um pedido de amor. Amor é síntese É uma integração de dados Não há que tirar nem pôr Não me corte em fatias Ninguém consegue abraçar um pedaço Me envolva todo em seus braços E eu serei o perfeito amor.” Mário Quintana Quero, um dia, dizer às pessoas que nada foi em vão… Que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades e às pessoas, que a vida é bela sim e que eu sempre dei o melhor de mim… e que valeu a pena. Mário Quintana Amor não é se envolver com a pessoa perfeita, aquela dos nossos sonhos. Não existem príncipes nem princesas. Encare a outra pessoa de forma sincera e real, exaltando suas qualidades, mas sabendo também de seus defeitos. O amor só é lindo, quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser. Mário Quintana Quiseste expor teu coração a nu. E assim, ouvi-lhe todo o amor alheio. Ah, pobre amigo, nunca saibas tu Como é ridículo o amor… alheio! Mário Quintana DO AMOROSO ESQUECIMENTO Eu, agora – que desfecho! Já nem penso mais em ti… Mas será que nunca deixo De lembrar que te esqueci? Mário Quintana Mulheres são como maçãs em árvores. As melhores estão no topo. Os homens não querem alcançar essas boas porque têm medo de cair e se machucar. Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de conseguir. Assim, as maçãs no topo pensam que algo está errado com elas, quando na verdade, eles estão errados. Elas têm que esperar um pouco para o homem certo chegar, aquele que é valente o bastante para escalar até o topo da árvore. Mario Quintana CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO Eu sou um homem fechado. O mundo me tornou egoísta e mau. E a minha poesia é um vício triste, Desesperado e solitário Que eu faço tudo por abafar. Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada, Com o teu passo leve, Com esses teus cabelos… E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender nada, numa alegria atônita…A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil Aonde viessem pousar os passarinhos. Mario Quintana BILHETE Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda… Mário Quintana Nunca diga “te amo” se não te interessa. Nunca fale sobre sentimentos se estes não existem. Nunca toque numa vida se não pretende romper um coração. Nunca olhe nos olhos de alguém se não quiser vê-lo se derramar em lágrimas por causa de ti. A coisa mais cruel que alguém pode fazer é permitir que alguém se apaixone por você quando você não pretende fazer o mesmo. Mário Quintana COMENTÁRIOS SOBRE OS POEMAS DE MÁRIO QUINTANA Sem dúvidas um dos melhores escritores da Língua Portuguesa, esses poemas são exemplos claros de alguém que pensa em coisas impensáveis e que nos toca no mais profundo intimo, nos fazendo ver a vida de outro jeito, de um jeito leve, fácil, solto e doce, nos faz achar que o impossível pode acontecer, é essa a impressão que tenho. Zaira PENSAMENTOS DE MÁRIO QUINTANA AS INDAGAÇÕES A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas. Mário Quintana [O Trágico Dilema] Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro. Mário Quintana A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe. Mário Quintana A arte de viver é simplesmente a arte de conviver ... simplesmente, disse eu? Mas como é difícil! Mário Quintana A amizade é um amor que nunca morre. Mário Quintana A arte de viver é simplesmente a arte de conviver ... simplesmente, disse eu? Mas como é difícil! Mário Quintana A poesia não se entrega a quem a define. Mário Quintana A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda. Mário Quintana [O Trágico Dilema] Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro. Mário Quintana . Mário Quintana Mas o que quer dizer este poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora. E o que quer dizer uma nuvem? - respondi triunfante. Uma nuvem - disse ela - umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo... Mário Quintana Autodidata é um ignorante por conta própria. Mário Quintana BILHETE Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda... Mário Quintana DA FELICIDADE Quantas vezes a gente,em busca da ventura, Procede tal e qual o avozinho infeliz: Em vão,por toda parte,os óculos procura Tendo-os na ponta do nariz! Mário Quintana DA OBSERVAÇÃO Não te irrites, por mais que te fizerem... Estuda, a frio, o coração alheio. Farás, assim, do mal que eles te querem, Teu mais amável e sutil recreio... Mário Quintana DAS UTOPIAS Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas! Mário Quintana De um autor inglês do saudoso século XIX: O verdadeiro gentleman compra sempre três exemplares de cada livro: um para ler, outro para guardar na estante e o último para dar de presente. Mário Quintana Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo... Sim, ele poderá convencer os outros de sua angelitude - mas que trabalheira! Mário Quintana DO AMOROSO ESQUECIMENTO Eu, agora - que desfecho! Já nem penso mais em ti... Mas será que nunca deixo De lembrar que te esqueci? Mário Quintana DOS MILAGRES O milagre não é dar vida ao corpo extinto, Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo... Nem mudar água pura em vinho tinto... Milagre é acreditarem nisso tudo! Mário Quintana Há uns que morrem antes; outros depois. O que há de mais raro, em tal assunto, é o defunto certo na hora exata. Mário Quintana Mário Quintana - A Gramática e a Linguagem E havia uma gramática que dizia assim: "Substantivo (concreto) é tudo quanto indica pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta". Eu gosto das cousas. As cousas sim !... As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multiplicam-se em excesso. As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém. Uma pedra. Um armário. Um ovo, nem sempre, Ovo pode estar choco: é inquietante...) As cousas vivem metidas com as suas cousas. E não exigem nada. Apenas que não as tirem do lugar onde estão. E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta. Para quê? Não importa: João vem! E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão, Amigo ou adverso...João só será definitivo Quando esticar a canela. Morre, João... Mas o bom mesmo, são os adjetivos. Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto. Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. luminoso. Sonoro. Lento. Eu sonho com uma linguagem composta unicamente de adjetivos Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais. Ainda mais: Eu sonho com um poema cujas palavras sumarentas escorram como a polpa de um fruto maduro em tua boca, Um poema que te mate de amor Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido: Basta provares o seu gosto...
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